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OUT
19
19 OUT 2019
CULTURA
Formandos da primeira turma do CCP de Artes Cênicas estreiam a peça “Ensaio sobre a cegueira”
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Após um ano e meio de intensas vivências, 14 dos 19 alunos que se formaram no primeiro Curso de Capacitação Profissional (CCP) em Artes Cênicas de Contagem atuaram na peça “Ensaio sobre a cegueira”, baseada na obra homônima do escritor português José Saramago. A estreia da peça ocorreu nesta quinta-feira (17), no Teatro Padre de Man, na PUC Minas Campus Contagem, e segue em cartaz, na cidade de Contagem, nos meses de novembro e dezembro (ver abaixo dias, horários e locais). A direção do espetáculo é de Kalluh Araújo, que integrou o time de professores do curso. Um público de cerca de 200 pessoas acompanhou a apresentação de estreia oficial da peça, que contou com tradução simultânea em Libras.

O “Ensaio sobre a cegueira” foi publicado em 1995 e traduzido em diversas línguas. A obra narra a história da epidemia de uma cegueira branca que se espalha por uma cidade, causando um grande colapso na vida das pessoas e abalando as estruturas sociais. O romance se tornou um dos mais famosos de José Saramago (1922-2010).

O cenário do espetáculo foi composto por jornais que foram sendo picados ao longo de muitos meses, por galhos recolhidos de podas feitas na Praça da Jabuticaba, onde está localizado o Centro Cultural de Contagem (CCC), que foram secando, guardados pelos alunos, à medida que o tempo ia passando, e também por grades, comuns à paisagem moderna, que tenta se proteger de si mesma. Ao longo da peça, a variação da luz, da penumbra e da escuridão dialogam diretamente com o visceral espetáculo e conferem diferentes texturas aos elementos cênicos.

Além da qualidade cênica, o grupo também mostrou um trabalho corporal afinado com os diálogos e a trilha sonora da peça, de altíssimo nível, passando por clássicos como “Strange Fruit”, cantado por Billie Holiday (1915-1959), o “Fado Português”, com Amália Rodrigues (1920-1999), e “Ave Verum Corpus”, de Mozart (1756-1791).

Um dos momentos altos da peça é a cerimônia improvisada de enterro de uma das mulheres confinadas, quando todas as outras cantam, à capela, o clássico do jazz standard “Summertime”, ária composta pelo americano George Gershwin, em 1935, que se imortalizou em gravações como as de Louis Armstrong & Ella Fitzgerald e Janis Joplin, versões também presentes na trilha do espetáculo.

Kalluh Araújo, diretor, cenógrafo e figurinista do espetáculo, explica que o livro de Saramago serviu de isca para a construção da peça, mas que, na verdade, a iniciativa não é uma adaptação da obra propriamente dita. “Trata-se de uma transformação do que vimos da obra, da qual gostamos muito. Então, na peça, há muito do Saramago, mas há muita coisa nossa, também. O livro do Saramago tem uma dramaturgia, tem início, meio e fim, e o nosso espetáculo também o tem, mas temos o diferencial de dança e teatro. O espetáculo é basicamente todo dançado e contado”, assinala o diretor.

Kalluh Araújo afirma ainda que, embora assine a direção do espetáculo, só foi possível a consecução de um espetáculo com tamanho nível de profissionalismo porque todos os 14 atores da peça dispuseram-se a participar de toda a produção teatral. “O espetáculo começou a ser concebido ainda no ano passado, em novembro. Mas a produção é o ápice de um percurso que começou há um ano e meio, com a formação da primeira turma do CCP de Artes Cênicas de Contagem. Há, é claro, entre o grupo, aqueles que se sobressaem. Mas é graças ao trabalho de todos que conseguimos chegar ao resultado apresentado”, ressalta o profissional.

Vigilância, exame e norma

O diálogo com outras grandes obras da história da arte humana percorre a toda montagem da peça. A cena congelada em que todos os atores estão em volta do primeiro homem a experimentar a condição de cegueira é uma referência explícita à “Última Ceia”, afresco de Leonardo da Vinci (1452-1519).

Outro questionamento que perpassa toda a apresentação remete a Michel Foucault, o maior e mais expressivo pensador da segunda metade do século XX. Esse pensador, que escreveu, entre outras tantas obras, o clássico “Vigiar e punir”, publicado originalmente em 1975, tematiza questões como as crenças libertadoras sobre as quais fundamenta-se a vida moderna ocidental, como a democracia e o iluminismo, como valores racionais que nos conduziriam à liberdade.

Foucault salienta que as mudanças nas formas de punição por transgressões às normas que existiram ao longo dos séculos marcam também mudanças na forma de como é exercido o poder, não somente em relação a delinquentes e criminosos, mas também a loucos, estudantes de internato, doentes e trabalhadores das fábricas.

Anteriormente à modernidade, explica Foucault, as punições eram corporais, como os suplícios em praças públicas e as respectivas aclamações populares. Mas há, para o pensador, uma mudança na concepção e no modo de exercer o poder na modernidade: se antes havia uma arbitrariedade na forma de julgar, por meio de punições públicas corporais, a partir do século XIX o julgamento torna-se público, com direito à defesa, e a punição passa a ser privada.

Entretanto, nesse cenário, o essencial não é castigar o corpo, mas confiná-lo em instituições, que podem ser físicas ou se manifestar através de regras e valores sociais a serem seguidos em todos os âmbitos sociais. O mundo administrado pelo poder da técnica, por meio dos seus muitos experimentos científicos, regras e normas passa a gerir o cotidiano e a organizar as formas de vida, fazendo com que o poder seja exercido nos microespaços sociais, juntamente com saberes e discursos que os legitimam. É aí que os diálogos entre Saramago e Foucault podem apresentar confluências: ambos chamam a atenção para o fato de a sociedade ocidental buscar apartar o diferente, por meio da afirmação de valores supostamente neutros e racionais.

A história de um mundo de cegos

A cegueira começa em um único homem, durante a sua rotina habitual. Aos poucos, as pessoas que o socorrem também são tomadas por uma subida e estranha falta de visão. Uma cegueira que mergulha quem a experimenta em um universo de trevas... brancas. Terá sido uma epidemia? Um castigo divino? O governo decide agir, colocando as pessoas infectadas pela cegueira em uma quarentena, com acesso limitado a recursos, justificando a medida como um ato de proteção aos demais. Aos poucos, vão chegando mais e mais pessoas infectadas. Teria o mundo inteiro sido infectado? O mistério se segue: à medida que o enredo se desenrola, fica claro que existe, entre o grupo, uma mulher que mantém sua visão, sem tornar, a princípio, sua condição pública aos cegos. Essa mulher enfrenta visualmente todos os sentimentos que se desenrolam na obra, como os jogos de poder, obediência e cooperação e as manifestações de afetos, desejos e desonras.

Não há, na obra de Saramago, a distinção de personagens por nomes, mas por suas características e particularidades, como o primeiro cego, a mulher do primeiro cego, o médico, a mulher do médico, a rapariga dos óculos escuros, o velho do tapa-olhos, o rapazinho estrábico, o cego da pistola e o ladrão. Esse recurso é proposital para convidar o leitor – e o espectador, no caso da peça – a reflexões sobre ética e moral, costumes e preconceitos visualizados em uma perspectiva coletiva.

Para o espectador, também vão se desnudando as características mais primitivas do ser humano, a partir dos conflitos em torno da luta pela comida, racionada, ou por meio da compaixão relativa aos doentes e aos mais necessitados. Na iminência da morte, frente à fome e à doença, a humanidade das pessoas vai-se esvaindo, e ocorrem situações como atos de abuso sexual e assassinato que são cometidos por pessoas antes insuspeitas. Diante das situações extremas, os instintos passam a governar as ações das pessoas, ainda que alguns tomem iniciativas que beneficiem a coletividade e estejam permeadas por empatia e alteridade.

No livro de Saramago, a obra acaba quando, de repente, o mundo cego dá lugar a um mundo imundo e bárbaro. Um mundo cego à barbárie e à miséria humana, reproduzida cotidianamente frente a olhos que se embruteceram. Mas, na peça, a mensagem final é a de que a arte tem o poder de criar, destruir e recriar mundos, melhores, nos quais seja possível enxergar a humanidade que dentro de cada um.

CCP de Artes Cênicas de Contagem

O curso foi promovido pela Prefeitura de Contagem, por meio da Secretaria Municipal de Cultura, Esporte e Juventude (Secej), em parceria com o Sindicato dos Artistas e Técnicos em Espetáculos de Diversões de Minas Gerais (Sated-MG). O objetivo foi qualificar, instrumentalizar e capacitar atores e atrizes que, agora, graças ao curso, já podem atuar no mercado de trabalho munidos do Registro Profissional (DRT) do Ministério do Trabalho (MT), válido em todo o território nacional. Esta é primeira vez em que o município realiza um curso de formação profissional em arte desse tipo – gratuito e com a garantia da habilitação profissional aos formandos.

Serviço

Ensaio sobre a cegueira

Direção: Kalluh Araújo

Duração: 1h15

Entrada gratuita

Classificação: 16 anos

Próximas apresentações

Data: 22/10

Horário: 19h

Local: auditório da Fundação de Ensino de Contagem (Funec)

Endereço: Praça Marília de Dirceu, 20, bairro Inconfidentes

Data: 01/11

Horário: 20h

Local: Casa de Apoio à Criança Carente

Endereço: rua Vl 6, 1880, bairro Nova Contagem

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